segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Sobre o corte nos salários da função pública – uma nota

Com o orçamento de Estado veio o anúncio de que os funcionários públicos veriam a sua remuneração seriamente reduzida nos próximos dois anos. De imediato a reacção se fez sentir, reacção essa que não vou aqui comentar.

Não posso discordar da opção de se cortar a despesa por oposição a aumentar-se a receita. Posso, claro, discordar de uma medida particular naquele sentido. Mas, sendo prático, parece-me uma excelente medida: não é possível despedir pelo que o máximo que se pode fazer no nosso enquadramento legal é convidar a sair. Incentiva-se desta maneira a saída de funcionários públicos, nomeadamente os mais qualificados de maior empregabilidade no sector privado. Isto tenderá a depauperar a qualidade do serviço público, o que não posso deixar de considerar algo de muito positivo na medida em que reduza o benefício apercebido pelo contribuinte e, desta forma, o alinhe com o verdadeiro custo do serviço público.

Gostaria também de salientar que todos aqueles que andam para aí a alvitrar que os funcionários públicos são mais formados que os privados, logo que o diferencial salarial positivo que os caracteriza não é injusto, não falam na medida certa. Nível de educação não é nível de formação. Um técnico de informática com equivalência ao 12º tem um grau de capital humano bem superior ao típico licenciado em línguas e literaturas, e o seu salário reflecte isso mesmo. Além disso, empregos mais agradáveis, de menor risco, etc. (características típicas do sector público) tendem a oferecer um diferencial salarial negativo no sector privado, o que concorre a favor da justiça destes cortes.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

SNS e Educação Pública - uma crítica

Sempre que comento que é minha opinião que o SNS e todo o sistema de educação pública deviam, por justiça, ser abolidos, sou acusado de insensibilidade social.

Dizem-me que os mais desfavorecidos não têm capacidade financeira para pagar esses serviços básicos de que necessitam. Que, se lhes cortar essa prestação em género, corro o risco de ter pessoas a morrer desnecessariamente de doença, e a ficarem sem o nível de educação fundamental à inclusão social.

Normalmente, sumarizam a sua posição apelando às noções de equidade, de igualdade, de solidariedade.

Mas, apesar da retórica e das boas intenções, não é com o bem-estar dos mais desfavorecidos na óptica destes que os meus oponentes se preocupam. É com aquilo que eles acham que os desfavorecidos deviam querer, aquilo que eles sabem ser o melhor para os desfavorecidos, mas que estes não compreendem.

Se a preocupação fosse meramente com a falta de capacidade económica para pagar as despesas de saúde e de educação, é de elementar economia que seria bem mais eficiente, transparente e simples que se procedessem a transferências em dinheiro a todos aqueles que não auferissem o suficiente para fazer face àquelas despesas. Não havia, assim, exclusão dos serviços de saúde e de educação por falta de poder económico, por hipótese.

Mas nunca ninguém advoga isto… A razão mais óbvia (mas não única nem principal) é a percepção (a meu ver correcta) de que muitos daqueles que receberiam a prestação em dinheiro prefeririam gasta-la em outras coisas que não educação e saúde. Normalmente, quem se preocupa com os mais desfavorecidos preocupa-se sempre do alto da sua suposta superioridade moral e intelectual: são tão desfavorecidos que nem percebem o que é melhor para si. É, assim, necessário que se lhes limite a escolha. Ajudar não é dar liberdade para escolher, mas impor uma hierarquia de valores económicos. Não damos dinheiro para luxos, damos para cuidados médicos e para educação que são bens muito mais fundamentais na sua hierarquia de valores, objectivada como “a” hierarquia absoluta, verdadeira, de valores.

Sou, assim, forçado a afirmar que todos aqueles que discordam de mim na abolição do SNS e do serviço de educação pública substituindo-os por transferências em dinheiro não estão preocupados com os mais desfavorecidos tal como eles são, indivíduos dignos de escolherem o seu caminho na vida, mas como seres humanos de nível inferior, ignorantes da verdade. Crianças a paternalizar.

Hei-de escrever como isto é incompatível com uma noção de igualdade com pés e cabeça. (É compatível apenas com aquela noção ridícula de igualdade à posteriori, de que somos iguais se pudermos comer todos o mesmo chocolate, e que está na base do chamado “Estado social”… Constructo racionalista abjecto)

(Nota: não advogo aquelas transferências em dinheiro. Apenas as usei para ilustrar as questões de princípio)


quarta-feira, 23 de março de 2011

Crucifixos em escolas públicas

Há uns dias a Itália viu-se autorizada pelo tribunal europeu dos direitos do homem a manter os crucifixos nas suas salas de aula. Uns pais quaisquer tinham-se queixado há uns anos pelo que consideravam uma violação da laicidade por que o estado italiano supostamente se rege.

Acho este tema particularmente interessante, nomeadamente pelas reacções que tenho ouvido de condenação daquele tribunal. Acho também interessante que o tribunal tenha concluído que a presença dos crucifixos não vai contra o direito dos pais de educarem os seus filhos de acordo com as suas convicções religiosas e filosóficas.

Em qualquer país em que a educação seja obrigatória, como o é nos europeus, esse suposto direito não existe em nenhum sentido real. Eu lembro-me de já nos livros de estudo do meio da segunda-classe encontrar ambientalices, e de me forçarem a absorve-las até ao décimo segundo ano (a princípio era o buraco no ozono, depois o aquecimento global, no fim já eram as alterações climáticas, agora não faço ideia qual o novo hype). Lembro-me também da perspectiva com que a história me era ensinada, por exemplo do ponto de vista ocidentalizante que caracterizava toda a análise da Guerra Fria no livrinho do nono ano (eu era comunista na altura, pelo que me marcou…) ou a visão megalómana da nossa história. Lembro-me de anualmente começar os programas das disciplinas científicas com a cartilha hipotético-dedutiva. Lembro-me dos temas escolhidos nas disciplinas de línguas que, supostamente, me iriam alargar o vocabulário “mais importante”. Lembro-me das obras que estudei para língua portuguesa e do cheirinho de educação sexual que se dava a ciências. Mas também me lembro da pedagogia vigente, por exemplo da noção de “currículo em espiral”, bem como da forma como a matemática era ensinada. E eu já não sou do tempo das “formações cívicas”…

Se o meu pai fosse anarquista político ou epistemológico, duvido que de forma alguma pudéssemos considerar que ele tenha tido liberdade para me ensinar de acordo com as suas convicções quando eu fui forçado a aprender aqueles programas. Lembro também que no ano passado um casal alemão se exilou nos EUA por estas razões.

As razões por que somos endoutrinados desde cedo são claras. E seria muito insensato a um tribunal manter a condenação de um Estado por este tema: se crucifixos são entendidos como um atentado à (pseudo)liberdade de educação, então o que dizer de tudo o resto? Claro que no acórdão pode escrever-se o que for necessário… O princípio é esotérico: não há liberdade na educação nem na formação, mas a retórica é a de que há.

Quanto à questiúncula do crucifixo em si… É um símbolo passivo que traduz uma eventual herança cultural de boa parte da comunidade. A laicidade não pode implicar uma eliminação de toda a relação institucional do estado com as confissões. O estado tem de reconhecer as especificidades do seu principal. Não achei nada mal que houvesse tolerância de ponto quando cá veio o papa. A razão está precisamente no sucesso dessa visita: as pessoas queriam vê-lo! Não posso dizer que toda a gente tivesse ficado entusiasmada. Mas um número suficiente ficou para justificar essa tolerância. Não é uma questão de laicidade nem de pragmatismo: é a relação do estado com a sociedade civil. Qualquer empregador com o mínimo de faro económico deixaria um seu funcionário de outra religião qualquer festejar as suas epifanias também.

Sei que muitos se sentem incomodados com a ideia de uma educação verdadeiramente livre: pais a decidirem até certa idade precisamente o que é que os filhos aprendem. Imaginem só o absurdo da senhora dona Conceição que lava as escadas do meu prédio a determinar o que o Helderzinho vai aprender… O Helderzinho tem direitos que a comunidade (i.e. o grupo a que o objector pertence) tem de proteger! Se tu pensas assim, então a educação pública obrigatória, no teu caso, cumpriu o seu objectivo.

quinta-feira, 3 de março de 2011

Hayek



Para todos os racionalistas, todos aqueles que querem conhecer o pensamento austríaco e Hayekiano melhor, bem como aquilo por que me rejo.

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Aborto

A primeira vez que votei foi no referendo sobre o aborto. Nessa altura misturava três dimensões que hoje prezo muito em ver separadas: a estética, a ética e a política. Lembro-me que achava repugnante a ideia de uma mulher abortar sem avisar o pai da criança que, eventualmente, pudesse querer cria-la. A minha interpretação de um regime democrático passava por uma concepção do voto como vector agregador das inclinações éticas e estéticas do eleitorado. Assim, achei que devia responder à pergunta que me era colocada directamente: votei não porque considerava que deveria expressar as minhas reservas (puramente estéticas!).

Hoje votaria sim. Não porque os meus princípios tenham mudado muito (neste tópico mantêm-se semelhantes) mas porque passei a distinguir claramente aquelas três dimensões. Em geral, continuo a achar repugnante uma mulher numa relação estável abortar sem avisar o parceiro. Mas não o acho imoral e sobretudo acho que sobre o seu corpo ela tem um direito absoluto.
Um exemplo corriqueiro: acho repugnantes aqueles perfumes florais que as raparigas da minha geração insistem em usar. Mas não acho imoral que elas os comprem, nem que devia haver uma lei que os proibisse…

Aliás, hoje vou mais longe. Toda a mulher deve poder abortar, sem qualquer impedimento, até ao momento em que as águas rebentem (podem sugerir outro momento… Mas tem de ser posterior). Pode ser detestável e terrivelmente imoral, mas ninguém pode iniciar a força física contra alguém por esta dispor livremente do seu corpo. Um contra-argumento frequente é o de que, nesse caso, ninguém pode impedir um bombista suicida de se fazer explodir. 1) ninguém o deve impedir se ele o fizer em sua casa; 2) antes de as águas rebentarem o feto é apenas um crescimento no corpo da mãe, como um caroço. Usando um aristotelismo, é apenas um ser humano potencial e não actual. Portanto, enquanto o bombista previsivelmente inicia violência contra outros seres humanos, um aborto não – o feto não é um ser humano fisicamente independente.

Reitero que, ética ou esteticamente, podemos condenar a prática do aborto. Mas, politicamente, creio que os direitos fundamentais têm de ter precedência lexicográfica sobre tudo, e o direito a dispor do nosso corpo é o mais fundamental deles todos.

Fundo

Depois de várias críticas aos meus dólares, procurei outro fundo aqui no blogger. Mas são todos horrendos e eu não sei programar isto. Pah! Não gostam? Sugiram.

Jugular

Penso que toda a gente já ouviu falar do blogue Jugular. É um blogue a que eu acedo de vez em quando. Os autores pertencem àquele grupo social tão reprodutivo que se acha progressista. Gosto de lá ir por duas razões: 1) diverte-me sempre, 2) dá-me indicações sobre o que a superestrutura lisboeta anda a fazer.

Dos autores saliento dois: a psiquiatra presa a uma concepção de ciência que já estava falida antes de ela nascer (Ana Matos Pires), e o economista tão ortodoxo mas TÃO ortodoxo que se acha heterodoxo (João Galamba).

Aquela recentemente apoiou a cruzada contra a substituição pelo farmacêutico dos medicamentos prescritos por genéricos, e costuma escrever do ponto de vista “da ciência”, mais especificamente do valor-p. Algumas pérolas: 1, 2

O Galamba é um excelente orador que, de vez em quando, rejeita a lei da identidade. Muito persuasivo porque muito arrogante e pouco claro tanto de pensamento como de escrita, o que para alguns é sinal de que ele diz coisas intelectualmente complexas... Evidentemente, enquanto economista, a esse tipo de retórica estou eu mais do que habituado, mas não sou o público-alvo do Galamba. Algumas pérolas:  1, 2 (Adoro quando ele vai buscar o Hayek do nada e o deturpa absurdamente)

Recomendo a todos que por lá vão passando. É um excelente indicador social.

Antes havia uma jurista lisboeta que também lá participava, uma Isabel Moreira. A minha irmã chamou-me à atenção para a parecença dela com um caniche molhado. Não resisti a partilhar: (não procuro insultar a senhora!!! Aliás até era das mais bem formadas nesse blogue. Mas admitam que é mesmo parecida!)






Lektion 1

Já tive a primeira lição de alemão. Aprendi toda a fonética. Gostei bastante da formadora. É apaixonada pela cultural alemã e percebe de linguística. Sabia explicar-me as excepções com recurso à história da língua, e quando lhe perguntava se era vogal ou semivogal, ela respondia-me convenientemente. Ah! E usa o alfabético fonético, o que para mim facilita muito.

Já sei as cores, os números, os dias da semana, os meses e as estações. Já li o meu primeiro texto, e já descobri que até gosto da língua.

To be continued…

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Deutsch

Para aqueles que não sabem, esta semana começo a aprender alemão. A cultura germânica não me atrai lá muito... Mas a língua torna-se cada vez mais um instrumento de trabalho que não me posso dar ao luxo de não ter. Não tenho, pelo menos para já, qualquer interesse em falar ou escrever nessa língua, apenas em compreender a sua expressão escrita. Pelo que tenho andado a ver, os meus bons conhecimentos em Middle English vão tornar-se úteis... Os meus amigos dizem que tenho expectativas demasiado elevadas para os primeiros tempos já que avisei que daqui a 12 meses vou estar a digerir Das Kapital e a apaixonar-me por Die Leiden des jungen Werthers. Se acham que estou a ser demasiado sanguine, lembro que com um mês de francês li a minha primeira peça do Molière e que, com três, Les Misérables pela primeira vez no original. Li the Tales of Caunterbury com um crash course de duas horas na gramática de Middle English e, um mês depois, já digeria a tradução do Chaucer da Consolatione Philosophiae do Boécio e toda a obra do Sir Thomas Malory - eu tenho um daquelos egos tão absurdamente inchados que consigo sempre atingir este tipo de objectivos...



Vai ser uma maratona... O que vale é que toda a gente à minha volta ou é nativa ou é bilingue...

Que Parva Que Eu Sou III - Percepções

Sempre que ouço alguém distinguir o hoje do “antigamente”, franzo o sobrolho. Já nos poemas homéricos os homens de antes é que eram excelentes. Chaucer dizia coisas semelhantes, Shakespeare, a senhora do café (se quiserem referências bibliográficas, peçam). A decadência dos costumes, os homens que já não são como antigamente, etc. fazem com que eu tome afirmações como “esta geração” com algum distanciamento.

Porque achamos que somos a geração sem remuneração? De facto, o quadro legislativo laboral tem sofrido alterações importantes, bem como o nível de escolaridade da população nacional. Convém também salientar que o que hoje consideramos um cabaz mínimo de bens é muito mais rico do que um equivalente há trinta anos. Mas, se querem que seja sincero, e porque um blogue serve para se dar a opinião, a mim parece-me mais uma geração igual às outras, que almeja ter o bolo e comê-lo também.

“Geração casinha dos pais” dizem os Deolinda. Claro! Viver com os pais significa que não temos de nos preocupar com comida, roupa lavada, tvcabo, renda, electricidade, etc. Podemos ser mal remunerados, mas conseguimos comprar um carro às prestações como a música indica e muito bem… Parece-me que queremos receber um salário nos primeiros anos de vida profissional que nos dê um estilo de vida equivalente àquele que os nossos pais demoraram décadas a construir.

É simples. Se o primeiro salário for de 1000 euros (estou a ser muito generoso), morando sozinho no Porto e cumprindo as legalidades, não se consegue arrendar um apartamento aceitável por menos de 400 euros (estou a ser generoso. Não se consegue por menos de 500). Supermercado a puxar para baixo são 200 euros. Transportes 50 (assumindo que não há carrinho). Electricidade, água, internet, telefone, televisão são no mínimo uns 100 euros. Sobram 250 para jantar com os amigos, sair, comprar roupa, livros, música, ir ao cinema, poupar, mobilar a casa etc. Todas aquelas despesas (ou quase todas, depende dos pais) podem ser evitadas se ficarmos com os papás. De facto ser-se independente sai caro.

Quando pensarem que o problema está em vivermos num país pobre, peço reflexão: 1) atentem no tipo de despesas enumeradas ali em cima; 2) aquele é o salário líquido. O Estado é 50% da economia (e não, não é só em Portugal, mas em todos os países ocidentais, dos Eua à Suécia). Portanto, têm à vossa disposição bens públicos, como o tal ensino superior subsidiado, que custam para o meu indivíduo representativo do parágrafo anterior, grosseiramente, 100% de todas aquelas despesas. Ele podia, eventualmente, consumir duas vezes mais se o Estado fosse mínimo. Mais uma vez: não há propinas grátis (comer o bolo) e salários líquidos elevados (tê-lo também), caeteris paribus.

Que Parva Que Eu Sou II - Economias

A teoria económica ortodoxa costuma olhar para a formação de duas formas: como um sinal e como um investimento em capital humano. Para a primeira, a obtenção de um grau sinaliza o mercado de trabalho de que o indivíduo tem um conjunto de características que lhe permitiram obter com sucesso esse grau, numa instituição qualquer. Para a segunda, o grau induz a expectativa de que o indivíduo adquiriu um stock de características eventualmente relevantes para o mercado. Na realidade, ambas se passam: quando estudamos desenvolvemos capacidades produtivas relevantes (capital humano) e nesse processo diferenciamo-nos daqueles que não o fizeram (sinal).

Daqui conclui-se que ter uma licenciatura pode não ter valor produtivo nenhum. Se a minha formação for numa área que não é produtivamente relevante (o capital humano não se desenvolve) ou numa escola de baixa eminência (fraco sinal), a produtividade que o mercado de trabalho espera de mim não é muito superior à que esperava quando eu tinha apenas o secundário. De facto, e exemplificando, exceptuando indústrias muito específicas, dominar as ruminações plotinianas sobre a psicologia universal não me parece uma especial mais-valia produtiva, apesar de certamente ser uma mais-valia pessoal.

Os indivíduos que procuram melhorar a sua perspectiva laboral, devem sinalizar-se convenientemente e obter formação relevante para a tecnologia vigente na nossa sociedade. Se não o fizerem, não podem legitimamente esperar grandes benefícios económicos dos seus estudos. Uma forma de o fazerem é estagiando. (Qualquer acusação de falácia individualista aqui, é fruto de incompreensão do que escrevi)

Os primeiros anos de trabalho são anos de fraca produtividade. São aqueles anos em que o trabalhador está a aprender, a ganhar método, organização, etc. É um facto que as taxas de desemprego nesse grupo costumam estar acima da média, o que corrobora aquela observação. Sendo menos produtivo, o trabalhador justifica um menor salário. Para que ele não sinta muito isso, há algumas iniciativas governamentais, nomeadamente isenções contributivas às empresas durante os primeiros anos do trabalhador que procuram fazer com que o menor salário não se reflicta na remuneração líquida do trabalhador. Há muitas empresas que ao fim desse tempo vão despedir uma fatia dos trabalhadores e contratar outros recém-licenciados? Claro! Mas isso não é uma “imoralidade” da empresa ou “capitalismo selvagem”, mas as próprias regras do jogo. (Podia elaborar, mas já estou a escrever demais)

Finalmente, há uma nota que gostaria de fazer aqui. O facto de o ensino superior ser subsidiado é uma das causas eficientes deste (eventual) problema. O aluno não paga directamente o custo da sua formação, pelo que há uma dissociação entre o custo e o benefício. A propina é a mesma quer se tire economia, línguas e literaturas ou engenharia mecânica. Se os alunos e seus associados tivessem de enfrentar os valores reais, a reflexão sobre o percurso tinha de ser outra e as expectativas, logo de início, seriam muito mais razoáveis e o número de licenciados nas diversas áreas muito mais próximo do ideal, pelo simples facto de que os custos não estariam deflacionados e pelo facto menos simples de que as expectativas eram muito mais trabalhadas.

Muitos estarão já a franzir o sobrolho e a acusar-me de não pensar na “igualdade de oportunidades”. Não é este o lugar para responder a essa objecção. Peço apenas a essas pessoas que olhem para o que de facto se passa, e façam uma análise consequencial das políticas que procuram promovê-la através de subsidiação. Se os Deolinda estão a ter sucesso é porque uma fatia “desta geração” não sente que tem essas oportunidades. (Um aparte: ou muito me engano ou o sucesso de expressões como esta música revelam a falência prática de medidas que promovam a igualdade no exacto comprimento em que essas medidas se justifiquem em princípios esotéricos de engenharia social - hei-de escrever mais sobre isto)

Que Parva Que Eu Sou I - Introdução

Os Deolinda são um grupo de música que eu só conheci já eles estavam na ribalta há muito. Acho-lhes bastante piada, já fui a um concerto deles e possuo a sua discografia completa. Recentemente lançaram uma canção intitulada “Que Parva Que Eu Sou” que, segundo muita gente, “é o hino de uma geração”. Copio a letra e a uma ligação do Youtube para vocês. (Espero não estar a infringir direitos de autor)



Sou da geração sem remuneração
e não me incomoda esta condição.
Que parva que eu sou!
Porque isto está mal e vai continuar, 
já é uma sorte eu poder estagiar.
Que parva que eu sou!
E fico a pensar, 
que mundo tão parvo 
onde para ser escravo é preciso estudar.

Sou da geração ‘casinha dos pais’, 
se já tenho tudo, pra quê querer mais?
Que parva que eu sou
Filhos, maridos, estou sempre a adiar 
e ainda me falta o carro pagar
Que parva que eu sou!
E fico a pensar, 
que mundo tão parvo 
onde para ser escravo é preciso estudar.

Sou da geração ‘vou queixar-me pra quê?’ 
Há alguém bem pior do que eu na TV.
Que parva que eu sou!
Sou da geração ‘eu já não posso mais!’ 
que esta situação dura há tempo demais
E parva não sou!
E fico a pensar,
que mundo tão parvo 
onde para ser escravo é preciso estudar.

Ora vamos lá pensar claro sobre esta problemática. A impressão que me fica da cantiga é que o grupo e a audiência crêem que existe uma “condição” envolvida em resignação associada a uma geração (desculpem a prosódia!!!) que se traduz em viver-se em casa dos pais até tarde, estagiar-se sem remuneração, empregabilidade precária e estudos sem compensação económica evidente. Há também quem lhe chame a geração “nem estuda nem trabalha”. 

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Friedman vs Keynes

In its long-run aspect, the central analytical proposition of the structure is the denial that the long-run equilibrium position of a free enterprise economy is necessarily at full employment; there may be, it is asserted, no monetary equilibrium at all, unless some deus ex machina such as rigid nominal wage rates is introduced to produce one;and the "real" equilibrium may be at a less than full employment position. Acceptance of the permanent income hypothesis in its most general form does not render these propositions invalid, for they do not depend on the proposition that savings is an increasing ratio of income as income rises and could be valid even if savings were a constant ratio. What does render these analytical propositions invalid is acceptance of the special feature of the hypothesis that w, the ratio of wealth to income, is a significant variable affecting k, the ratio of permanent consumption to permanent income, and that an increase in w tends to raise k.


Friedman (1957:237-8) A Theory of The Consumption Function

Leituras

The Self-interest Theory has long been dominant. It has been assumed for more than two millennia, that it is irrational for anyone to do what he knows will be worse for himself. Christians have assumed this since, if Christianity is true, morality and self-interest coincide. If wrongdoers know that they will go to Hell, each will know that, in acting wrongly, he is doing what will be worse for himself.


Derek Parfit (1984:130) Reasons and Persons OUP

Sobre a discriminação contra homossexuais masculinos na doação de sangue

Se há tema que levanta logo bojardas argumentativas é o impedimento de homossexuais masculinos de doarem sangue. O argumento (único que conheço que não seja mentalmente vácuo) a favor dessa posição é o da maior incidência de HIV na população homossexual masculina. Os contra, (filtrando 99% pelas mesmas razões) são a ideia de que não há grupos mas comportamentos de risco, e que a proibição é o resultado de preconceito institucionalizado.

Pois creio que ambos os lados estão fundamentalmente equivocados. Quando se vai dar sangue há, pelo que sei, pelo menos dois momentos de controlo. Um primeiro, antes da doação, em que um potencial doador é questionado e considerado elegível ou não. Um segundo, após a doação, em que o sangue efectivamente doado sofre testes de qualidade. Muita gente intui que o primeiro momento é desnecessário visto todo o sangue ser testado. Mas há custos de eliminação de material contaminado, bem como da própria recolha de sangue inútil. Assim, o primeiro momento de controlo faz sentido se e só se se estimarem poupanças económicas.

Esse primeiro momento de controlo passa por, normalmente, a resposta a um conjunto de questões. Que questões devem ser colocadas é uma pergunta eminentemente técnica. O ideal seria conseguir recolher-se só sangue de qualidade. Mas isto é impossível e há dois tipos de erro. Por um lado algumas pessoas com sangue elegível serão impedidas de dar sangue, por outro algumas com sangue não elegível não serão. A prioridade dada a cada um dos erros é uma questão técnica, se há escassez de sangue o primeiro ganha em importância, por exemplo, mas também normativa, pois que o custo de cada um dos erros bem como a valoração das consequências da estratégia seguida só fazem sentido quando avaliados normativamente. Assim, impedirem-se os homossexuais masculinos (penso ser verdade que a sua comunidade tem uma incidência de SIDA maior do que a população em geral) de doar sangue pode fazer sentido de um ponto de vista técnico, dependendo do equilíbrio entre os dois erros a que se almeja, e à existência de critérios alternativos mais eficientes.

E aqui é que está a questão. Não consigo perceber nenhuma vantagem técnica em perguntar-se “é homossexual” sobre perguntar-se “teve relações desprotegidas nos últimos tempos”, ou outras semelhantes… Portanto não vejo como a orientação sexual possa ser um critério prático eficiente de selecção.
Note-se que aquilo que eu disse contrasta com a argumentação comum. Aos contra respondo “e se houver maior incidência? Nada há a concluir!”. Aos a favor respondo “essa não é a questão”, apesar de conceder que preconceito institucionalizado (e NÃO homofobia, como é vulgarmente adjectivado, apesar de ela existir… cf. “Homofobia” abaixo) possa ser a causa eficiente da discriminação.

Noto que se a doação de sangue fosse privatizada, esta discussão não existia.

Homofobia

Aqueles que me conhecem sabem que, para mim, o activismo LGBT dos dias de hoje é nada mais do que uma McCartheice de esquerda, terrivelmente opressiva e que, se não tivesse efeitos tão negativos na comunidade LGBT e sociedade em geral, não seria mais relevante do que um livro da Margarida Rebelo Pinto.

Pois um dos instrumentos mais comummente utilizados na retórica desses grupos é a acusação de homofobia. Se alguém revela reservas quanto ao casamento entre homossexuais, alterações à lei da identidade de género, adopção, criação de uma disciplina de educação sexual (que, de preferência, traduza a sua visão opressiva mas super moderna de sexualidade…), ou outra é acusado de homofobia se não for membro da comunidade, ou de homofobia internalizada se for.

O debate é impossível porque, por definição, quem não estiver alinhado com a visão desses grupos activistas não só no que toca àqueles temas, como com a sua aplicação em legislação particular, é homofóbico. Homofobia é um exemplo paradigmático do que o Orwell chamava de newspeak, sendo o groupthink dos activistas abundantemente claro para quem tem contacto mesmo que remoto com eles.

Devo salientar que eu sempre defendi que os indivíduos devem poder dispor de si e da sua propriedade (i.e. nunca me oporia ao casamento entre PMS), que identidade de género não diz respeito ao Estado (nem deve ser contemplado), que só se deve eventualmente intervir na parentalidade quando houver riscos claros para a normalidade (operacionalizável) física e psíquica da criança (i.e. nunca me oporia à adopção por homossexuais) e que o ensino deve ser privado e livre (i.e. que cabe aos encarregados de educação decidir o que os seus encarregandos aprendem). Assim, nunca me chamaram de homofóbico visto que, com as minhas convicções, o absurdo seria demasiado evidente. Mas em discussão acesa acerca, por exemplo, da recente argumentação de Cavaco Silva no seu veto à lei da identidade de género, essa acusação esteve próxima simplesmente porque para o activista, discordar da ideologia é homofobia.

Reparo que, na minha experiência no uso da língua portuguesa, o sufixo “fobia” costuma ser utilizado em situações extremas (na retórica moderna usa-se muito o termo “patológico” aqui) – eu não gosto muito de aranhas, mas não tenho a reacção que um aracnofóbico tem quando contacta com elas. Não gosto de ir ao Continente, mas não tenho a reacção de um agorafóbico. Etc. (Claro que alguns dirão logo que a distinção não é preta e branca, que há uma gradação. A esses respondo que Marx tinha barba e que a minha sobrinha não tem, apesar de não poder dizer quantos pelos são necessários para se ter uma barba). Assim, homofobia (e seus semelhantes – transfobia, bifobia, etc.) deve utilizar-se em situações extremas – não apenas quando alguém se opõe aos supostos interesses da comunidade LGBT, ou quando alguém simplesmente não gosta de homossexuais.

Termino com um exemplo. Ouço muitas vezes dizer-se que em aldeias do interior a população é muito homofóbica. De facto sempre vivi no Porto (uma cidade, no meu entender, muitíssimo gay-friendly, apesar do choradinho activista) pelo que não sou especialista, mas creio que mais do que homofóbicas, as pessoas nessas comunidades simplesmente não estão familiarizadas com esses comportamentos. Dizer que um velhote de 80 anos é homofóbico porque ele diz “que nojo” se lhe mostrarem uma foto de dois homens a fazerem um bico, é exagerado. Dizer que ele é homofóbico porque não lhe parece bem que duas pessoas do mesmo sexo casem, é exagerado. Dizer que ele é homofóbico porque não quereria que os seus netos fossem criados por homossexuais, é exagerado. É provável que ele não tenha razões plausíveis para essas suas crenças e convicções, mas falta de plausibilidade não é suficiente (provavelmente nem necessário) para uma fobia.

Introdução

Decidi criar blogue. É de bom tom fazer uma introdução. Não planeio falar de nada em particular. Publicarei com a regularidade que me apetecer sobre os temas que me derem na telha. É para o meu gozo e só incidentalmente para o vosso. Voltem e comentem quando quiserem – laissez-faire, laissez-passer.