quarta-feira, 14 de setembro de 2011

SNS e Educação Pública - uma crítica

Sempre que comento que é minha opinião que o SNS e todo o sistema de educação pública deviam, por justiça, ser abolidos, sou acusado de insensibilidade social.

Dizem-me que os mais desfavorecidos não têm capacidade financeira para pagar esses serviços básicos de que necessitam. Que, se lhes cortar essa prestação em género, corro o risco de ter pessoas a morrer desnecessariamente de doença, e a ficarem sem o nível de educação fundamental à inclusão social.

Normalmente, sumarizam a sua posição apelando às noções de equidade, de igualdade, de solidariedade.

Mas, apesar da retórica e das boas intenções, não é com o bem-estar dos mais desfavorecidos na óptica destes que os meus oponentes se preocupam. É com aquilo que eles acham que os desfavorecidos deviam querer, aquilo que eles sabem ser o melhor para os desfavorecidos, mas que estes não compreendem.

Se a preocupação fosse meramente com a falta de capacidade económica para pagar as despesas de saúde e de educação, é de elementar economia que seria bem mais eficiente, transparente e simples que se procedessem a transferências em dinheiro a todos aqueles que não auferissem o suficiente para fazer face àquelas despesas. Não havia, assim, exclusão dos serviços de saúde e de educação por falta de poder económico, por hipótese.

Mas nunca ninguém advoga isto… A razão mais óbvia (mas não única nem principal) é a percepção (a meu ver correcta) de que muitos daqueles que receberiam a prestação em dinheiro prefeririam gasta-la em outras coisas que não educação e saúde. Normalmente, quem se preocupa com os mais desfavorecidos preocupa-se sempre do alto da sua suposta superioridade moral e intelectual: são tão desfavorecidos que nem percebem o que é melhor para si. É, assim, necessário que se lhes limite a escolha. Ajudar não é dar liberdade para escolher, mas impor uma hierarquia de valores económicos. Não damos dinheiro para luxos, damos para cuidados médicos e para educação que são bens muito mais fundamentais na sua hierarquia de valores, objectivada como “a” hierarquia absoluta, verdadeira, de valores.

Sou, assim, forçado a afirmar que todos aqueles que discordam de mim na abolição do SNS e do serviço de educação pública substituindo-os por transferências em dinheiro não estão preocupados com os mais desfavorecidos tal como eles são, indivíduos dignos de escolherem o seu caminho na vida, mas como seres humanos de nível inferior, ignorantes da verdade. Crianças a paternalizar.

Hei-de escrever como isto é incompatível com uma noção de igualdade com pés e cabeça. (É compatível apenas com aquela noção ridícula de igualdade à posteriori, de que somos iguais se pudermos comer todos o mesmo chocolate, e que está na base do chamado “Estado social”… Constructo racionalista abjecto)

(Nota: não advogo aquelas transferências em dinheiro. Apenas as usei para ilustrar as questões de princípio)


5 comentários:

  1. A questão interessante é mesmo a última: se tais transferências devem ou não existir! Acho que a discussão de princípio sobre a existência do Estado social se resumirá a isso. E aí talvez estejamos em desacordo. Claro que praticar a solidariedade e a redistribuição de rendimento por um mecanismo coercivo pode atentar contra a consciência de muitos liberais. Mas se muito boa gente achar que essa é uma forma eficiente de as praticar e assim o quiser fazer, desde que permitam que não concorde mude de país, não tenho nada a opor!

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  2. Eu tenho. Não há nenhuma superioridade psico-epistemológica e muito menos ética das maiorias. Há direitos que para mim são fundamentais, nomeadamente a dignidade humana fundamental de poder agir em consciência dadas as suas circunstâncias concretas. O princípio de que cada um é que deve decidir para si não pode legitimamente ser anulado por uma decisão de maioria nem pela "possibilidade de mudar de país". Estas pressupõe a primeira, a mais das vezes.

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  3. Nunca disse que as maiorias têm alguma superioridade ética! Que horror!
    A questão é que, não defendendo uma posição anárquica, temos necessariamente de reconhecer alguma legitimidade de decisão às mairoias. Ao aceitarmos que uma maioria permita que o Estado cobre coercivamente impostos para suportar as forças armadas (para nos defender dos taliban) e para pagar os vencimentos dos senhores magistardos, não estamos a coarctar o princípio "de que cada um é que deve decidir por si"? Ou será que as maiorias não devem sequer ter esse poder de decisão? Francisco

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  4. Levantas uma excelente questão, Francisco. De facto há quem ache que nem esse poder de decisão deve ter. A corrente anarco-capitalista é um exemplo. Mas há também aqueles que advoguem pagamentos voluntários do serviço público, por exemplo os Objectivistas. Para estes, os contributos individuais voluntários, mais custas e assim seriam mais do que suficientes para custear todo o aparelho legítimo do Estado. A receita (e aqui já não podes incluir os Objectivistas) pode também ser patrimonial. (Aliás, este Estado tributário, financiado mormente por impostos, é invenção recente)

    Mas quero lembrar-te que há uma diferença importante entre uma acção de defesa de agressão (uma acção que os libertários chamam de negativa) e uma acção providencial, como o caso da saúde ou da educação (acção positiva). Claro que podes sempre argumentar que é uma distinção fictícia, não absoluta, aberta a discussão, etc etc etc. Vais encontrar muitos que estarão em desacordo contigo, outros que estão de acordo apesar de a aceitarem.

    Ah! E não tens de reconhecer legitimidade às maiorias para não defenderes uma posição anárquica. Há aí confusão de conceitos.

    Repara que eu procuro falar daquilo que acho certo ou errado. Mais uma vez a questão de princípio: quem deve decidir o que é melhor para si? A própria pessoa ou um burocrata? (sim, porque é de elementar economia das escolhas públicas que as preferências da "maioria" se calhar nem racionais no sentido de transitivas são...)

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  5. Para te ser sincero não consigo defender uma posição não anarquista (e refiro-me aqui à necessidade de definição das regras do jogo, ao enquadramento jurídico que deve reger a vida em sociedade) sem ter de reconhecer algum poder às maiorias. Poder difícil de legitimar, um expediente, é certo, mas que entendo necessário. Senão que nos resta: a unanimidade (pouco provável) ou a força? Mas esta não é uma matéria na qual tenha perdido muitas horas, por isso acho que só tenho é a aprender!
    Em relação ao financiamento do Estado, parece-me que a cobrança de impostos ou a utiização de receitas patrimoniais poderão, em casos particulares, ser tecnicamente semelhantes. As contribuições voluntárias e o pagamento por custas, em função do benefício usufruído, parecem-me soluções bastante interessantes. Mas, já agora, como liberal repugna-te qualquer espécie de cobrança coerciva de impostos? Mesmo não considerando os impostos sobre o rendimento?
    Bem, mas a discussão já vai longa e teremos mais oportunidades (espero eu), por isso não te roubo mais tempo!
    (Já agora, em relação ao Helderzinho, também me quis debruçar num caso extremo, que penso que não será assim tão irrelevante. E não creio que tenha dado um salto lógico: a única coisa que posso concluir do meu raciocínio - e, claro, admito que procuro minorar algumas desigualdades de partida - é que deve haver um mínimo de escolaridade obrigatória.)
    Francisco

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