Se há tema que levanta logo bojardas argumentativas é o impedimento de homossexuais masculinos de doarem sangue. O argumento (único que conheço que não seja mentalmente vácuo) a favor dessa posição é o da maior incidência de HIV na população homossexual masculina. Os contra, (filtrando 99% pelas mesmas razões) são a ideia de que não há grupos mas comportamentos de risco, e que a proibição é o resultado de preconceito institucionalizado.
Pois creio que ambos os lados estão fundamentalmente equivocados. Quando se vai dar sangue há, pelo que sei, pelo menos dois momentos de controlo. Um primeiro, antes da doação, em que um potencial doador é questionado e considerado elegível ou não. Um segundo, após a doação, em que o sangue efectivamente doado sofre testes de qualidade. Muita gente intui que o primeiro momento é desnecessário visto todo o sangue ser testado. Mas há custos de eliminação de material contaminado, bem como da própria recolha de sangue inútil. Assim, o primeiro momento de controlo faz sentido se e só se se estimarem poupanças económicas.
Esse primeiro momento de controlo passa por, normalmente, a resposta a um conjunto de questões. Que questões devem ser colocadas é uma pergunta eminentemente técnica. O ideal seria conseguir recolher-se só sangue de qualidade. Mas isto é impossível e há dois tipos de erro. Por um lado algumas pessoas com sangue elegível serão impedidas de dar sangue, por outro algumas com sangue não elegível não serão. A prioridade dada a cada um dos erros é uma questão técnica, se há escassez de sangue o primeiro ganha em importância, por exemplo, mas também normativa, pois que o custo de cada um dos erros bem como a valoração das consequências da estratégia seguida só fazem sentido quando avaliados normativamente. Assim, impedirem-se os homossexuais masculinos (penso ser verdade que a sua comunidade tem uma incidência de SIDA maior do que a população em geral) de doar sangue pode fazer sentido de um ponto de vista técnico, dependendo do equilíbrio entre os dois erros a que se almeja, e à existência de critérios alternativos mais eficientes.
E aqui é que está a questão. Não consigo perceber nenhuma vantagem técnica em perguntar-se “é homossexual” sobre perguntar-se “teve relações desprotegidas nos últimos tempos”, ou outras semelhantes… Portanto não vejo como a orientação sexual possa ser um critério prático eficiente de selecção.
Note-se que aquilo que eu disse contrasta com a argumentação comum. Aos contra respondo “e se houver maior incidência? Nada há a concluir!”. Aos a favor respondo “essa não é a questão”, apesar de conceder que preconceito institucionalizado (e NÃO homofobia, como é vulgarmente adjectivado, apesar de ela existir… cf. “Homofobia” abaixo) possa ser a causa eficiente da discriminação.
Noto que se a doação de sangue fosse privatizada, esta discussão não existia.