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segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Que Parva Que Eu Sou III - Percepções

Sempre que ouço alguém distinguir o hoje do “antigamente”, franzo o sobrolho. Já nos poemas homéricos os homens de antes é que eram excelentes. Chaucer dizia coisas semelhantes, Shakespeare, a senhora do café (se quiserem referências bibliográficas, peçam). A decadência dos costumes, os homens que já não são como antigamente, etc. fazem com que eu tome afirmações como “esta geração” com algum distanciamento.

Porque achamos que somos a geração sem remuneração? De facto, o quadro legislativo laboral tem sofrido alterações importantes, bem como o nível de escolaridade da população nacional. Convém também salientar que o que hoje consideramos um cabaz mínimo de bens é muito mais rico do que um equivalente há trinta anos. Mas, se querem que seja sincero, e porque um blogue serve para se dar a opinião, a mim parece-me mais uma geração igual às outras, que almeja ter o bolo e comê-lo também.

“Geração casinha dos pais” dizem os Deolinda. Claro! Viver com os pais significa que não temos de nos preocupar com comida, roupa lavada, tvcabo, renda, electricidade, etc. Podemos ser mal remunerados, mas conseguimos comprar um carro às prestações como a música indica e muito bem… Parece-me que queremos receber um salário nos primeiros anos de vida profissional que nos dê um estilo de vida equivalente àquele que os nossos pais demoraram décadas a construir.

É simples. Se o primeiro salário for de 1000 euros (estou a ser muito generoso), morando sozinho no Porto e cumprindo as legalidades, não se consegue arrendar um apartamento aceitável por menos de 400 euros (estou a ser generoso. Não se consegue por menos de 500). Supermercado a puxar para baixo são 200 euros. Transportes 50 (assumindo que não há carrinho). Electricidade, água, internet, telefone, televisão são no mínimo uns 100 euros. Sobram 250 para jantar com os amigos, sair, comprar roupa, livros, música, ir ao cinema, poupar, mobilar a casa etc. Todas aquelas despesas (ou quase todas, depende dos pais) podem ser evitadas se ficarmos com os papás. De facto ser-se independente sai caro.

Quando pensarem que o problema está em vivermos num país pobre, peço reflexão: 1) atentem no tipo de despesas enumeradas ali em cima; 2) aquele é o salário líquido. O Estado é 50% da economia (e não, não é só em Portugal, mas em todos os países ocidentais, dos Eua à Suécia). Portanto, têm à vossa disposição bens públicos, como o tal ensino superior subsidiado, que custam para o meu indivíduo representativo do parágrafo anterior, grosseiramente, 100% de todas aquelas despesas. Ele podia, eventualmente, consumir duas vezes mais se o Estado fosse mínimo. Mais uma vez: não há propinas grátis (comer o bolo) e salários líquidos elevados (tê-lo também), caeteris paribus.

Que Parva Que Eu Sou II - Economias

A teoria económica ortodoxa costuma olhar para a formação de duas formas: como um sinal e como um investimento em capital humano. Para a primeira, a obtenção de um grau sinaliza o mercado de trabalho de que o indivíduo tem um conjunto de características que lhe permitiram obter com sucesso esse grau, numa instituição qualquer. Para a segunda, o grau induz a expectativa de que o indivíduo adquiriu um stock de características eventualmente relevantes para o mercado. Na realidade, ambas se passam: quando estudamos desenvolvemos capacidades produtivas relevantes (capital humano) e nesse processo diferenciamo-nos daqueles que não o fizeram (sinal).

Daqui conclui-se que ter uma licenciatura pode não ter valor produtivo nenhum. Se a minha formação for numa área que não é produtivamente relevante (o capital humano não se desenvolve) ou numa escola de baixa eminência (fraco sinal), a produtividade que o mercado de trabalho espera de mim não é muito superior à que esperava quando eu tinha apenas o secundário. De facto, e exemplificando, exceptuando indústrias muito específicas, dominar as ruminações plotinianas sobre a psicologia universal não me parece uma especial mais-valia produtiva, apesar de certamente ser uma mais-valia pessoal.

Os indivíduos que procuram melhorar a sua perspectiva laboral, devem sinalizar-se convenientemente e obter formação relevante para a tecnologia vigente na nossa sociedade. Se não o fizerem, não podem legitimamente esperar grandes benefícios económicos dos seus estudos. Uma forma de o fazerem é estagiando. (Qualquer acusação de falácia individualista aqui, é fruto de incompreensão do que escrevi)

Os primeiros anos de trabalho são anos de fraca produtividade. São aqueles anos em que o trabalhador está a aprender, a ganhar método, organização, etc. É um facto que as taxas de desemprego nesse grupo costumam estar acima da média, o que corrobora aquela observação. Sendo menos produtivo, o trabalhador justifica um menor salário. Para que ele não sinta muito isso, há algumas iniciativas governamentais, nomeadamente isenções contributivas às empresas durante os primeiros anos do trabalhador que procuram fazer com que o menor salário não se reflicta na remuneração líquida do trabalhador. Há muitas empresas que ao fim desse tempo vão despedir uma fatia dos trabalhadores e contratar outros recém-licenciados? Claro! Mas isso não é uma “imoralidade” da empresa ou “capitalismo selvagem”, mas as próprias regras do jogo. (Podia elaborar, mas já estou a escrever demais)

Finalmente, há uma nota que gostaria de fazer aqui. O facto de o ensino superior ser subsidiado é uma das causas eficientes deste (eventual) problema. O aluno não paga directamente o custo da sua formação, pelo que há uma dissociação entre o custo e o benefício. A propina é a mesma quer se tire economia, línguas e literaturas ou engenharia mecânica. Se os alunos e seus associados tivessem de enfrentar os valores reais, a reflexão sobre o percurso tinha de ser outra e as expectativas, logo de início, seriam muito mais razoáveis e o número de licenciados nas diversas áreas muito mais próximo do ideal, pelo simples facto de que os custos não estariam deflacionados e pelo facto menos simples de que as expectativas eram muito mais trabalhadas.

Muitos estarão já a franzir o sobrolho e a acusar-me de não pensar na “igualdade de oportunidades”. Não é este o lugar para responder a essa objecção. Peço apenas a essas pessoas que olhem para o que de facto se passa, e façam uma análise consequencial das políticas que procuram promovê-la através de subsidiação. Se os Deolinda estão a ter sucesso é porque uma fatia “desta geração” não sente que tem essas oportunidades. (Um aparte: ou muito me engano ou o sucesso de expressões como esta música revelam a falência prática de medidas que promovam a igualdade no exacto comprimento em que essas medidas se justifiquem em princípios esotéricos de engenharia social - hei-de escrever mais sobre isto)

Que Parva Que Eu Sou I - Introdução

Os Deolinda são um grupo de música que eu só conheci já eles estavam na ribalta há muito. Acho-lhes bastante piada, já fui a um concerto deles e possuo a sua discografia completa. Recentemente lançaram uma canção intitulada “Que Parva Que Eu Sou” que, segundo muita gente, “é o hino de uma geração”. Copio a letra e a uma ligação do Youtube para vocês. (Espero não estar a infringir direitos de autor)



Sou da geração sem remuneração
e não me incomoda esta condição.
Que parva que eu sou!
Porque isto está mal e vai continuar, 
já é uma sorte eu poder estagiar.
Que parva que eu sou!
E fico a pensar, 
que mundo tão parvo 
onde para ser escravo é preciso estudar.

Sou da geração ‘casinha dos pais’, 
se já tenho tudo, pra quê querer mais?
Que parva que eu sou
Filhos, maridos, estou sempre a adiar 
e ainda me falta o carro pagar
Que parva que eu sou!
E fico a pensar, 
que mundo tão parvo 
onde para ser escravo é preciso estudar.

Sou da geração ‘vou queixar-me pra quê?’ 
Há alguém bem pior do que eu na TV.
Que parva que eu sou!
Sou da geração ‘eu já não posso mais!’ 
que esta situação dura há tempo demais
E parva não sou!
E fico a pensar,
que mundo tão parvo 
onde para ser escravo é preciso estudar.

Ora vamos lá pensar claro sobre esta problemática. A impressão que me fica da cantiga é que o grupo e a audiência crêem que existe uma “condição” envolvida em resignação associada a uma geração (desculpem a prosódia!!!) que se traduz em viver-se em casa dos pais até tarde, estagiar-se sem remuneração, empregabilidade precária e estudos sem compensação económica evidente. Há também quem lhe chame a geração “nem estuda nem trabalha”.