Sempre que ouço alguém distinguir o hoje do “antigamente”, franzo o sobrolho. Já nos poemas homéricos os homens de antes é que eram excelentes. Chaucer dizia coisas semelhantes, Shakespeare, a senhora do café (se quiserem referências bibliográficas, peçam). A decadência dos costumes, os homens que já não são como antigamente, etc. fazem com que eu tome afirmações como “esta geração” com algum distanciamento.
Porque achamos que somos a geração sem remuneração? De facto, o quadro legislativo laboral tem sofrido alterações importantes, bem como o nível de escolaridade da população nacional. Convém também salientar que o que hoje consideramos um cabaz mínimo de bens é muito mais rico do que um equivalente há trinta anos. Mas, se querem que seja sincero, e porque um blogue serve para se dar a opinião, a mim parece-me mais uma geração igual às outras, que almeja ter o bolo e comê-lo também.
“Geração casinha dos pais” dizem os Deolinda. Claro! Viver com os pais significa que não temos de nos preocupar com comida, roupa lavada, tvcabo, renda, electricidade, etc. Podemos ser mal remunerados, mas conseguimos comprar um carro às prestações como a música indica e muito bem… Parece-me que queremos receber um salário nos primeiros anos de vida profissional que nos dê um estilo de vida equivalente àquele que os nossos pais demoraram décadas a construir.
É simples. Se o primeiro salário for de 1000 euros (estou a ser muito generoso), morando sozinho no Porto e cumprindo as legalidades, não se consegue arrendar um apartamento aceitável por menos de 400 euros (estou a ser generoso. Não se consegue por menos de 500). Supermercado a puxar para baixo são 200 euros. Transportes 50 (assumindo que não há carrinho). Electricidade, água, internet, telefone, televisão são no mínimo uns 100 euros. Sobram 250 para jantar com os amigos, sair, comprar roupa, livros, música, ir ao cinema, poupar, mobilar a casa etc. Todas aquelas despesas (ou quase todas, depende dos pais) podem ser evitadas se ficarmos com os papás. De facto ser-se independente sai caro.
Quando pensarem que o problema está em vivermos num país pobre, peço reflexão: 1) atentem no tipo de despesas enumeradas ali em cima; 2) aquele é o salário líquido. O Estado é 50% da economia (e não, não é só em Portugal, mas em todos os países ocidentais, dos Eua à Suécia). Portanto, têm à vossa disposição bens públicos, como o tal ensino superior subsidiado, que custam para o meu indivíduo representativo do parágrafo anterior, grosseiramente, 100% de todas aquelas despesas. Ele podia, eventualmente, consumir duas vezes mais se o Estado fosse mínimo. Mais uma vez: não há propinas grátis (comer o bolo) e salários líquidos elevados (tê-lo também), caeteris paribus.