domingo, 27 de fevereiro de 2011

Aborto

A primeira vez que votei foi no referendo sobre o aborto. Nessa altura misturava três dimensões que hoje prezo muito em ver separadas: a estética, a ética e a política. Lembro-me que achava repugnante a ideia de uma mulher abortar sem avisar o pai da criança que, eventualmente, pudesse querer cria-la. A minha interpretação de um regime democrático passava por uma concepção do voto como vector agregador das inclinações éticas e estéticas do eleitorado. Assim, achei que devia responder à pergunta que me era colocada directamente: votei não porque considerava que deveria expressar as minhas reservas (puramente estéticas!).

Hoje votaria sim. Não porque os meus princípios tenham mudado muito (neste tópico mantêm-se semelhantes) mas porque passei a distinguir claramente aquelas três dimensões. Em geral, continuo a achar repugnante uma mulher numa relação estável abortar sem avisar o parceiro. Mas não o acho imoral e sobretudo acho que sobre o seu corpo ela tem um direito absoluto.
Um exemplo corriqueiro: acho repugnantes aqueles perfumes florais que as raparigas da minha geração insistem em usar. Mas não acho imoral que elas os comprem, nem que devia haver uma lei que os proibisse…

Aliás, hoje vou mais longe. Toda a mulher deve poder abortar, sem qualquer impedimento, até ao momento em que as águas rebentem (podem sugerir outro momento… Mas tem de ser posterior). Pode ser detestável e terrivelmente imoral, mas ninguém pode iniciar a força física contra alguém por esta dispor livremente do seu corpo. Um contra-argumento frequente é o de que, nesse caso, ninguém pode impedir um bombista suicida de se fazer explodir. 1) ninguém o deve impedir se ele o fizer em sua casa; 2) antes de as águas rebentarem o feto é apenas um crescimento no corpo da mãe, como um caroço. Usando um aristotelismo, é apenas um ser humano potencial e não actual. Portanto, enquanto o bombista previsivelmente inicia violência contra outros seres humanos, um aborto não – o feto não é um ser humano fisicamente independente.

Reitero que, ética ou esteticamente, podemos condenar a prática do aborto. Mas, politicamente, creio que os direitos fundamentais têm de ter precedência lexicográfica sobre tudo, e o direito a dispor do nosso corpo é o mais fundamental deles todos.

9 comentários:

  1. Gostei da reflexão; partilho-a na sua grande maioria, como sabes. :)

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  2. Di, É muito fácil criticarmos quem se decide por abortar. Aliás, eu mesma o fiz em tempos (criticar), e partilhei contigo a ideia de que o pai também teria direito supremo sobre o seu filho, em particular se é chamado à responsabilidade caso a mãe opte por ter o bébé. Em relação a este último ponto, mantenho a minha posição.
    Enquanto mulher tenho uma visão profundamente egoísta em relação a este tema: se em parte considero que o pai deveria ter opinião válida a dar acerca do destino da criança, vendo-me nessa posição rejeitaria por completo que ele tomasse decisões por mim ou em conjunto. Caso uma situação dessas me surgisse, eu quero ter o direito a fazer o que achar ser o melhor para mim. Não deve haver nada mais aterrador para uma mulher do que ter que decidir em conjunto, quando ela própria já tomou a sua decisão. E hoje rejeito a ideia de que a maioria o faz levianamente. Imagino que seja realmente muito complicado tomar uma decisão destas...

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  3. Eu tive para ser um abortinho não foi? Sou um erro de cálculo não desejado!!!!!!!

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  4. Só não foste abortinho porque na altura era ilegal, parece-me. De alguma forma até foste dado para adopção, já que fui eu quem tomou conta de ti nos primeiros anos. És a minha obra prima, hehe. Não me saí nada mal. Agora deverias retribuir com uma renda mensal, como forma de agradecimento por tantos anos sem adolescência!

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  5. Tá calada! A tua vida sem mim não faz qualquer sentido.

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  6. Vá, vamos mas é discutir a renda mensal! Não te esquives à conversa, mas é.

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  7. Gostei do princípio e do fim do tema.....começa-se com coisas muito sérias e acaba-se a rir....:)

    Já tive mais do que uma posição em relação ao aborto - eu própria tive tres espontâneos e não foi petisco nenhum, sofri mais do que para ter os filhos - e continuo a achar que ninguém tem o direito de impôr uma decisão à mãe, senhora do seu corpo e também senhora do feto que transporta. However, não se trata apenas de um problema físico ou moral. Um mulher que fica grávida deixa de ser totalmente livre, pois o que a liga ao filho é extremamente forte, não permitindo por vezes que ela consiga ver os pros e contras duma situação tão complicada.
    É bom pensar que, dantes, muitos filhos não eram planeados, nem por vezes, desejados ( no sentido em que hoje se fala), mas não eram menos amados pelo facto de aparecerem em alturas difíceis. É essa atitude que me choca hoje em dia, a ideia de que há momentos ideais para se terem filhos - depois da casa, do carro, do emprego estável, dos avos reformados, da empregada domestica da família ou doutra mordomia qualquer. Os filhos são sempre um encargo dos pais e por isso, sejam desejados ou não, planeados ou não, é a eles que compete amá-los e educá-los com todas as vicissitudes que isso acarreta e "anos de vida" que se perdem ( ou ganham). Ter filhos é sempre um risco "and nothing will be like it used to be", como se dizia no filme "Lost in Translation"

    Estou a falar de casos tradicionais e não de gravideses fora do casamento ou de união de facto. Essas terão de ser mesmo pensadas e a decisão deve ser da mãe com acompanhamento de família ou psicólogos e assistentes sociais.
    Votaria sim ao aborto, mas ponho reservas nesse acto.

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  8. E não há uma sensação assustadora de irrevogabilidade? E se depois não quisermos mais ser pais? Não dá para voltar atrás!!!

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  9. Não, Diogo, não é possível voltar atrás. Não é como o casamento que se acaba um dia e cada um parte para uma vida a sós ou acompanhado por outro/a. Ter filhos é assumir um compromisso para uma vida inteira e sacrificar uma grande percentagem de prazer mundano ou social a que estamos habituados. Vira-se tudo do avesso quando eles são crianças e mais tarde vêm os problemas relacionais, os dramas do crescimento, a entrada na idade adulta, que tb tem que se lhe diga.
    Há pais que se desligam dos filhos a partir de certa idade...mas as mães não. È muito difícil ser feliz quando os filhos sofrem ou passam por maus momentos.
    Mas também é uma alegria ir jantar com tres netos e um filho a um restaurante indiano e eles dizerem que é a melhor comidinha do mundo:))) e sentirem-se felizes só por jantarem fora de casa com a Avó.
    A família é ainda o elo mais forte...

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